quinta-feira, novembro 20, 2008

Quinta-feira, 20 de Novembro, 2003

Mais um dia pela frente. Acordo mal disposto, irritado por me levantar cedo da cama, e porque vou ter de ir até à faculdade. Os dias estão frios e a vontade é pouca ou nenhuma. Vamos Ricardo, tem de ser, força nessas pernas. Levanto-me meio zombie, digo bom dia à minha mãe, que anda nas suas tarefas há mais de um par de horas, vou até à casa de banho e lá vai a primeira urina do dia. Sabe bem e arrepia a pele. Meia volta ao carrossel, e volto ao quarto para despir o belo do pijama e preparar a fatiota de hoje. Já meio despido vou até à banheira. Água gelada a correr, à espera que aqueça. O telefone toca. A minha mãe atende. A minha mãe entra em pânico. A minha mãe chora. Quando chego perto da minha mãe, já estava à espera do que ela me ia dizer: "o avô morreu". Lágrimas, lágrimas, lágrimas. Bato um novo record de tempo a vestir a roupa, pego no carro e sigo com a minha mãe até à quinta. Dentro de mim ainda há esperança, pode estar desmaiado ou inconsciente, e a minha avó assustou-se só isso. Chego à quinta, corremos pela casa a dentro em direcção ao quarto. Eu fico para trás. Sou bloqueado pelo medo da verdade. Rejeito a morte do meu avô. Fico à espera. São apenas segundos, mas parecem uma eternidade...silêncio...silêncio...de repente gritos e lágrimas vindos do quarto. Vou até à sala, sento-me e choro. Lágrimas, lágrimas, lágrimas. O chão fica molhado. A familia vai chegando, lágrimas juntam-se a lágrimas. O cenário vai acalmando, as pessoas vão lá fora apanhar ar, respirar, ganhar alguma força. Dentro de casa, eu e o meu avô. Ganho coragem, chegou a hora da minha confirmação. Entro no quarto, o meu peito é esmagado, as lágrimas param de sair. Sento-me ao lado dele e dou-lhe a mão. Está fria e pesada. Olho para ele, admiro-o, revejo-me nele, despeço-me. Adeus Nandinho, vou continuar a minha vida :)

Quinta-feira, 20 de Novembro de 2003, o pior dia da minha vida.

3 comentários:

Anónimo disse...

Meu querido Ricardo, entendo bem a tua dor. A morte é cruel e esperta, vem com pézinhos de lã, é brutal, magoa, magoa tanto.

Já não tenho, há muitos anos, a companhia de nenhum dos meus avós. Primeiro foi a Catarina (minha doce e querida Jacinta, lembras-te da história da troca de nomes? :)), depois o foi o João ( meu querido avô João, um coração gigante) e depois o avô Canelas ( talvez tenha sido o mau feitio a dar-lhe uma vida mais longa, e ainda bem! :)). Falta uma avó?! sim, infelizmente faltou-me sempre, quando cheguei já tinha ido. A morte é tão má, que não quis que eu a conhecesse. Conheço-a das histórias comovidas do meu pai, que tinha a minha idade quando a perdeu. Ela, tinha apenas 54 anos.

Ao ler o teu texto comovi-me muito, muito, tanto...
Apesar da dor, alegro-me pelas nossas deliciosas conversas, que nos lembram que quem se ama não morre nunca.

Alegro-me pelas nossas histórias, que sorte podermos contá-las! :) E afinal, dessas longas conversas do "que-bom-que-era", com risos e choros e às vezes baba e ranho, no fim das contas lá fica o sorriso! Aquele sorriso que sabemos que gostariam de ver!

(tenho muita pena de não ter conhecido o avô Nandinho :))

Aquele abraço e um sorriso para ti.

- - * ´L´,

Mós disse...

mas alguma vez nos conformamos com a morte de quem nos importa?
eu não creio...
acho que há por aí tanta gente, tantos cancros, que deviam ter ido primeiro!
por isto rejeito a ideia de haver uma entidade que faz estes juízos, de quem deve ir ou ficar...

se queres que te diga, nem me lembro de quando o meu avô morreu... ou até a minha avó para esse efeito!
lembro-me apenas de quando os tive ao meu lado e de quando os quero ter e não posso...

Morte: sua filha da puta! a única certeza na vida havias de ser tu, não é?!

talvez seja melhor ser a única certeza, é graças a isso que aprendemos a valorizar quem ainda cá está!

não sei se o teu avô se importaria que bebesse um copo à sua saúde, mas amanhã fa-lo-ei à saúde de todos eles!

um abraço pah!

PS: quando te revemos? CAE?

xlifes disse...

Um sorriso e um abraço *